Por que há quem pague por bens virtuais?
Este artigo busca compartilhar a análise de motivação ao consumo de bens virtuais realizados pelo economista finlandês Vili Lehdonvirta em [1].
Antes de buscar responder o motivador de consumo de bens virtuais, Vili Lehdonvirta busca estudar os motivadores de consumo dos bens materiais de nosso mundo físico e aponta 3 atributos motivadores de consumo que eu gostaria de ilustrar com a seguinte imagem:
- Atributo funcional: As pessoas primeiramente adquirem bens para ter acesso à alguma funcionalidade ou facilidade no universo físico. Quando um minerador compra uma picareta ele objetiva obter maior eficiência no ato de extrair minérios preciosos de rochas. Da mesma forma, podemos comprar comida para adquirir as calorias nela contidas para obter a subsistência da nossa máquina biológica.
- Atributo hedonista: Supridas as necessidades de ordens mais basilares na nossa pirâmide de Maslow, é observado que passamos a buscar ou a embutir nos bens de atributos funcionais um atributo hedonista, que nos confira prazer e satisfação de ter. Por exemplo, dormimos melhor, sentamos melhor ou obtemos acesso a mais possibilidades na vida por ter um travesseiro fofo de corgi? Muito provavelmente não, mas temos alguma intuição consumista de que seríamos seres humanos mais felizes se tivéssemos um destes travesseiros ao nosso lado. Eu me sentiria mais feliz acredito. Isto adiciona uma camada de satisfação em consumir que transcende a racionalidade do consumo dos seres humanos. Como seres que agem economicamente, não estamos motivados a consumir somente pelas funcionalidades e facilidades que a nossa economia tem a oferecer, mas também pelas satisfações que estes bens podem nos trazer. É o que explica o fato de alguns fascinados por automobilismo acharem razoável a aquisição de um modelo recente da Ferrari por um valor 100 vezes maior do que o de um carro popular que lhe ofereça o mesmo retorno como atributo funcional.
- Atributo social: Não consumimos apenas por prazer pessoal ou para facilitar a nossa vida. Fortalecer vínculos sociais por meio de presentes simbólicos ou até adquirir bens em busca de um status social diferenciado fazem parte também dos nossos motivadores ao consumo. Considere o que é a prática de compra de Iphones quebrados apenas para poder posar com eles em festas para atrair mais atenção dos convidados em um contexto de renda em que é inconcebível o acesso a um smartphone de última geração da Apple. Não há satisfação pessoal em ter acesso a este iphone, pois não será possível usufruir de nenhum de seus recursos de entretenimento, bem como não há atributo funcional presente pelo óbvio fato do celular estar quebrado. Da mesma forma, há uma irracionalidade presente em cada amante que compra na volta para casa um buquê de flores para a sua parceira. Destituída de função e destituída de hedonismo próprio, a compra do bem é motivada pelo fortalecimento de um vínculo social por meio de um ato simbólico materializado na forma de buquê de flores.
Quando passamos a observar os bens que circulam em nosso universo físico passamos a perceber que há produtos que mesclam em si uma combinação destes atributos, alguns em maior ou menor ordem. Digamos que podemos chamar de forma nérdica o espaço dos bens possíveis de serem consumidos como constituído de uma combinação linear destes 3 vetores de base que são os atributos de bens.
Com esta ideia na cabeça, não vemos uma categoria a parte, mas as mesmas categorias, mas traduzidas para o ambiente virtual. Considere a seguinte ilustração e a paridade de características que eles tem com os bens do mundo físico:
- Atributo funcional: O exemplo que coloco são os itens pagos do jogo Candy Crush. Eles oferecem funcionalidades e facilidades ao jogador que os consomem. Constam neles a possibilidade de pular uma fase, de substituir docinhos na fase para facilitar a combinação destes na tela, enfim, ajudar o jogador. Estes elementos facilitadores muito presentes em jogos virtuais são bem representativos de bens virtuais cujo consumo é motivado pelo seu atributo funcional. Dando um exemplo não pertencente ao mundo dos jogos temos o Tinder. O super like é um bem virtual com forte atributo funcional. É como se fosse uma rosa artificialmente escassa sendo transferida como manifestação de apreço exclusivo. É uma manifestação de que aquele convite ao relacionamento amoroso vale mais do que os medíocres e abundantes likes oferecidos na plataforma. É sabendo disso que o Tinder e o Candy Crush cobram por estes bens e têm conseguido faturar receitas interessantes sobre os seus consumidores em seus universos virtuais.
- Atributo hedonista: O caso mais famoso de consumo de bens virtuais é a aquisição de “Skins”, roupinhas para o seu personagem no jogo. Um jogador joga melhor com estas roupinhas? O personagem fica mais forte com elas? Na maioria das vezes a resposta é não. Então por que há quem pague dinheiro real por aquilo? Muito provavelmente porque a satisfação de ver o seu personagem com aquela roupa se equipare ou até supere a satisfação pessoal que aquele consumidor sentiria ao adquirir uma roupa diferente para si no mundo físico. Temos como julgar? Eu não, pois eu não me importaria de comprar um travesseiro de corgi fofo pelo simples fato de supor uma satisfação pessoal maior em tê-lo em minhas mãos.
- Atributo social: Se você pode dar flores de presente para os seus amigos no mundo físico, nada lhe impede de dar flores virtuais para eles em um determinado mundo virtual. Note que o exemplo utilizado na imagem foi a imagem de um quarto do hotel Habbo. Toda a mobília ali presente pertence à classe dos itens mais caros do jogo. A posse daquela sala para si é uma forma de ostentação de status financeiro para aquele universo. Pode haver um fator hedonista do jogador se sentir bem em ter 3 sofás de ouro no jogo? Sim, mas não podemos ignorar o impacto de ostentação de um status social que isso pode representar para os jogadores deste mundo ao interagir com ele.
Ao analisar estas correspondências de motivação ao consumo nos bens virtuais, eu convido o leitor que provavelmente administra a sua própria startup ou está na graduação namorando uma ideia antes de recorrer ao NEU a refletir: “À luz deste modelo de interpretação de atributos constituintes de motivadores ao consumo, como posso melhor modelar os meus produtos pertencentes ao mundo virtual para maximizar estes atributos para os meus consumidores?”. Conselho de ressalva que eu deixo ao leitor para esta reflexão: Nem toda maximização de atributos maximiza o seu faturamento. Considere jogos que tornam tão discrepantes os retornos dos atributos funcionais de seus bens pagos que a comunidade do jogo passa a interpretar negativamente aquele universo como um jogo “Pay to Win”, pague para ganhar, o que culmina em um êxodo da base de clientes de seu universo. Dessa forma, reflita e projete sempre com cautela.
[1]LEHDONVIRTA, Vili. Virtual item sales as a revenue model: identifying attributes that drive purchase decisions. Springer Science Business Media. Helsinki Institute for Information Technology. 2009.